Brasília, 16 a 20 de maio de 2016 - Nº 826.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 6
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 7
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 8
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 4
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 5
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 6
Defensoria pública estadual e data limite para repasse de duodécimos
Defensoria pública e participação na sua proposta orçamentária
ADPF: associação e legitimidade ativa
Distribuição de medicamento e necessidade de registro sanitário - 1
Distribuição de medicamento e necessidade de registro sanitário - 2
Conflito de atribuições e superfaturamento em construção de conjuntos habitacionais - 2
Conflito de atribuições e Fundef - 4
Conflito de atribuições e Fundef - 4
1ª Turma
“Habeas corpus” e desclassificação
Empréstimos consignados e retenção por prefeito - 1
Empréstimos consignados e retenção por prefeito - 2
Empréstimos consignados e retenção por prefeito - 3
2ª Turma
Crime de desobediência eleitoral e não enquadramento
Uso de munição como pingente e atipicidade
Execução de honorários sucumbenciais e fracionamento
Repercussão Geral
Clipping do DJe
Transcrições
Réu Preso - Devido Processo Legal - Inquirição de Testemunhas - Direito de Presença e Audiência - Inobservância - Nulidade Absoluta (HC 130328/SC)
PLENÁRIO
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 6
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, indeferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade em que se pretendia a suspensão da eficácia do § 3º do art. 134 da CF, introduzido pela EC 74/2013, segundo o qual se aplica às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal o disposto no § 2º do mesmo artigo, este introduzido pela EC 45/2004, a assegurar às Defensorias Públicas estaduais autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º, da CF — v. Informativos 802 e 804. O Colegiado equacionou que a controvérsia diria respeito à aplicabilidade, às propostas de emenda constitucional, da cláusula de iniciativa legislativa reservada à Presidência da República (CF, art. 61, § 1º). Além disso, discutia-se eventual ofensa ao postulado da separação de Poderes (CF, art. 60, § 4º, III) em decorrência da edição de emenda constitucional sobre matéria disposta no art. 61, § 1º, II, da CF, sem que o processo constituinte reformador tenha sido deflagrado pelo titular da iniciativa fixada nesse dispositivo para as leis complementares e ordinárias. A respeito, o direito constitucional pátrio inscreve a emenda constitucional entre os atos elaborados por meio de processo legislativo (CF, art. 59). A jurisprudência da Corte reconhece, com apoio no princípio da simetria, a inconstitucionalidade de emendas a Constituições estaduais, por inobservância da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo. Não há, por outro lado, precedente do Colegiado a assentar, no plano federal, a sujeição do poder constituinte derivado à cláusula de reserva de iniciativa do chefe do Executivo prevista de modo expresso no art. 61, § 1º, da CF, para o Poder Legislativo complementar e ordinário (poderes constituídos). A orientação de que o poder das assembleias legislativas de emendar constituições estaduais está sujeito à reserva de iniciativa do Executivo local existe desde antes do advento da CF/1988. O poder constituinte, originário ou derivado, delimita as matérias alçadas ao nível constitucional, e também aquelas expressamente atribuídas aos legisladores ordinário e complementar. Assim, norma de constituição estadual dotada de rigidez não imposta pela Constituição Federal é contrária à vontade desta. Portanto, não se reveste de validade constitucional a emenda a Constituição estadual que, subtraindo o regramento de determinada matéria do titular da reserva de iniciativa legislativa, eleva-a à condição de norma constitucional. Desse modo, emana da jurisprudência do STF a visão de que o poder constituinte estadual jamais é originário. É poder constituído, cercado por limites mais rígidos do que o poder constituinte federal. A regra da simetria é exemplo disso. Por essa razão, as assembleias legislativas se submetem a limites rígidos quanto ao poder de emenda às constituições estaduais. Entretanto, não há precedentes no sentido de que as regras de reserva de iniciativa contempladas no art. 61 da CF alcançam o processo de emenda à Constituição disciplinado em seu art. 60.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 18.5.2016. (ADI-5296)
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 7
O Tribunal consignou que os limites formais ao poder constituinte derivado são os inscritos no art. 60 da CF, segundo o qual a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) do Presidente da República; ou c) de mais da metade das assembleias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Já a iniciativa privativa de leis sobre determinadas matérias é assegurada, no plano federal, ao Presidente da República, ao STF, aos tribunais superiores e ao Procurador-Geral da República. Não existe, portanto, identidade entre o rol dos legitimados para a propositura de emenda à Constituição e o dos atores aos quais reservada a iniciativa legislativa sobre determinada matéria. É, pois, insubsistente condicionar a legitimação para propor emenda à Constituição, nos moldes do art. 60 da CF, à leitura conjunta desse dispositivo com o art. 61, § 1º, que prevê as hipóteses em que a iniciativa de leis ordinárias e complementares é privativa da Presidência da República. Do contrário, as matérias cuja iniciativa legislativa é reservada ao STF, aos tribunais superiores ou ao Procurador-Geral da República não poderiam ser objeto de emenda constitucional. De um lado, nenhum daqueles legitimados figura no rol do art. 60 da CF e, de outro, nenhum dos relacionados no mesmo dispositivo pode propor emenda sobre essas matérias. Além disso, existem diversas emendas constitucionais em vigor, cuja constitucionalidade poderia ser legitimamente desafiada, se prevalecesse a tese da aplicação, às propostas de emenda, das cláusulas que reservam ao Executivo e ao Judiciário a iniciativa legislativa sobre certos temas. No caso da EC 74/2013, o preceito por ela introduzido diz respeito à Defensoria Pública como instituição, e não ao regime jurídico de seus integrantes. Ainda que, indiretamente, em momento posterior, alteração dessa natureza pudesse refletir no regime jurídico citado, a EC 74/2013 não tem como objeto o reconhecimento de vantagens funcionais, sequer equivale a norma dessa natureza. Nesse contexto, está ausente o “fumus boni iuris” necessário à concessão da cautelar.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 18.5.2016. (ADI-5296)
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 8
O Plenário acrescentou que, a se entender incidente a cláusula da reserva de iniciativa do Presidente da República sobre as propostas de emenda à Constituição, sua inobservância traduziria, também, afronta à separação de Poderes, independentemente do conteúdo material da emenda. O desequilíbrio se caracteriza pela ingerência de um poder constituído no terreno exclusivo de outro — o Executivo. Por outro lado, afastada a emenda constitucional do âmbito de incidência da cláusula de reserva de iniciativa legislativa, ainda se lhe impõem os limites materiais do art. 60, § 4º, da CF. Assim, é necessário analisar a EC 74/2013 à luz desse postulado. A respeito, o § 2º do art. 134 da CF, introduzido pela EC 45/2004, deve ser também verificado sob esse aspecto. No ponto, a legitimidade da EC 45/2004, no que assegura autonomia às Defensorias Públicas estaduais, está respaldada pela jurisprudência do STF, embora ainda não tenha sido objeto de análise específica. Entretanto, o art. 60, § 4º, da CF, não veda ao poder constituinte derivado o aprimoramento do desenho institucional de entes com sede na Constituição. Esta, ressalvada a imutabilidade das cláusulas pétreas, consagra, mormente por meio das emendas constitucionais, abertura dinâmica ao redesenho das instituições, com vista a seu aperfeiçoamento, desde que observadas, no processo, as garantias constitucionais voltadas a impedir a deturpação do próprio mecanismo e a preservar a essência constitucional. No caso, sob esse enfoque, a concessão de autonomia às Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Estados-Membros não parece incompatível com a ordem constitucional. Pelo contrário, essa medida é tendente ao aperfeiçoamento do próprio sistema democrático. Nesse contexto, a assistência jurídica aos hipossuficientes é direito fundamental, na linha do amplo acesso à justiça. Além disso, essa arquitetura institucional encontra respaldo em práticas recomendadas pela comunidade jurídica internacional, a exemplo do estabelecido na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Ademais, o art. 127, § 2º, da CF assegura ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa. Todavia, nem sempre são legítimas alterações de outra ordem ou em outros segmentos. É indispensável o exame de cada caso, em face do art. 60, § 4º, III, da CF. Ademais, as atribuições da Defensoria Pública não têm vinculação direta com a essência da atividade executiva. Por fim, o Colegiado apontou a ausência de “periculum in mora”, tendo em vista o ajuizamento da ação decorrido mais de um ano da promulgação da EC 74/2013. Além disso, o apontado risco de lesão aos cofres públicos não teria relação direta com a emenda, isso porque a Constituição, ao atribuir autonomia, não trata de autonomia financeira, mas sim administrativa e funcional. Nesse sentido, iniciativa de proposta orçamentária — a ser submetida a posterior controle do Legislativo — não implica autonomia orçamentária. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que deferiram a medida acauteladora.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 18.5.2016. (ADI-5296)
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 4
O Plenário concluiu o julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade e de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se discutia a autonomia de Defensorias Públicas estaduais — v. Informativo 802. Na ADI 5.286/AP, debatia-se a constitucionalidade de dispositivos da LC 86/2014 do Estado do Amapá, que atribuem ao chefe do Executivo estadual competências administrativas, como as de prover cargos e de aplicar penalidades no âmbito da Defensoria Pública local. O Colegiado, por maioria, conheceu parcialmente da ação e julgou o pedido procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade de expressões que submetem a Defensoria Pública a atos do governador, por ofensa aos artigos 24, XIII e § 1º; e 134, ambos da CF. Reputou que o conhecimento parcial da ação se impõe pelo fato de a via eleita se prestar, no caso, somente à apreciação da referida lei complementar, mas não à análise de atos normativos secundários, atos de efeitos concretos ou, ainda, atos administrativos. No mérito, assinalou que a garantia constitucional do acesso à justiça exige a disponibilidade de instrumentos processuais idôneos à tutela dos bens jurídicos protegidos pelo direito positivo. Nesse sentido, a Constituição atribui ao Estado o dever de prestar assistência jurídica integral aos necessitados. Assim, a Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, representa verdadeira essencialidade do Estado de Direito. Quanto às Defensorias Públicas estaduais, a EC 45/2004 conferira-lhes autonomia funcional e administrativa, além de iniciativa própria para a elaboração de suas propostas orçamentárias. Além disso, o art. 24 da CF estabelece competências concorrentes entre União e Estados-Membros para legislar sobre certos temas, determinando a edição de norma de caráter genérico na primeira e de caráter específico na segunda hipótese. Consectariamente, as leis estaduais que, no exercício da competência legislativa concorrente, disponham sobre as Defensorias Públicas estaduais devem atender às disposições já constantes das definições de regras gerais realizadas pela LC 80/1994. Na situação dos autos, atribui-se ao governador a incumbência de nomear membros da carreira para diversos cargos elevados dentro da instituição, o que é incompatível com a referida lei complementar e com o texto constitucional. No que se refere à autonomia financeira, as Defensorias Públicas estaduais têm a prerrogativa de formular sua própria proposta orçamentária. Assim, a elas deve ser assegurada a iniciativa de lei para a fixação do subsídio de seus membros (CF, art. 96, II). Vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava o pedido improcedente.
ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADI-5286)
ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADI-5287)
ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADPF-339)
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 5
Por sua vez, na ADI 5.287/PB, discutia-se a constitucionalidade de ato mediante o qual o governador, por meio da Lei 10.437/2015 do Estado da Paraíba, reduzira unilateralmente valores previstos na LOA destinados à Defensoria Pública, em relação ao que inicialmente proposto pela instituição quando da consolidação da proposta orçamentária enviada ao Legislativo. Nesse caso, o Plenário conheceu parcialmente do pleito e, por maioria, julgou-o procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei, sem pronúncia de nulidade, apenas quanto à parte em que fixada a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual, em razão da prévia redução unilateral. Ademais, assentou o entendimento de que é inconstitucional a redução unilateral pelo Poder Executivo dos orçamentos propostos pelos outros Poderes e por órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, na fase de consolidação do projeto de lei orçamentária anual, quando tenham sido elaborados em obediência às leis de diretrizes orçamentárias e enviados conforme o art. 99, § 2º, da CF, cabendo-lhe apenas pleitear ao Poder Legislativo a redução pretendida, visto que a fase de apreciação legislativa é o momento constitucionalmente correto para o debate de possíveis alterações no projeto de lei orçamentária. Preliminarmente, por decisão majoritária, o Tribunal afastou questão atinente à eventual prejudicialidade do pedido, tendo em conta o exaurimento da eficácia da LOA para o exercício financeiro de 2015. Entendeu que a impugnação fora feita em tempo adequado, a ação fora incluída em pauta e o julgamento fora iniciado antes do aludido exaurimento de eficácia. Além disso, é necessário pacificar a controvérsia para fins de fixação de precedente, mesmo porque toda LOA possui eficácia exígua. Portanto, condicionar o enfrentamento do tema à eficácia da norma, nessas hipóteses, pode implicar o esvaziamento da possibilidade de controle de constitucionalidade. Vencidos, no tocante à preliminar, os Ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski (Presidente), que julgavam o pedido prejudicado, tendo em conta a perda superveniente de objeto. No mérito, o Colegiado, inicialmente, reportou-se aos fundamentos do caso anterior. Acrescentou que as Defensorias Públicas têm a prerrogativa de elaborar e apresentar suas propostas orçamentárias, as quais devem, posteriormente, ser encaminhadas ao Executivo. Há apenas dois requisitos para tanto: a) a proposta orçamentária deve ser elaborada em consonância com o que previsto na respectiva LDO; e b) a proposta deve ser encaminhada em conformidade com a previsão do art. 99, § 2º, da CF. A apreciação das leis orçamentárias deve se dar perante o órgão legislativo correspondente, ao qual cabe deliberar sobre a proposta apresentada, fazendo-lhe as modificações que julgue necessárias. Ressaltou, no ponto, o art. 166 da CF. Na espécie, assinalou que, no momento da consolidação da proposta orçamentária a ser encaminhada à assembleia estadual, o governador reduzira unilateralmente os valores das propostas apresentadas pelo Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública, apesar de as propostas estarem em conformidade com a LDO, o que afronta a Constituição. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava improcedente o pedido.
ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADI-5286)
ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADI-5287)
ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADPF-339)
Defensoria Pública: autonomia funcional, administrativa e orçamentária - 6
No que se refere à ADPF 339/PI, fora ajuizada em face de suposta omissão do governador do Estado do Piauí, consistente na ausência de repasse de duodécimos orçamentários à Defensoria Pública estadual, na forma da proposta originária. O Colegiado, por maioria, julgou procedente o pedido para, diante de lesão aos artigos 134, § 2º; e 168, ambos da CF, determinar ao governador que proceda ao repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela LOA para o exercício financeiro de 2015, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição. Sublinhou serem asseguradas às Defensorias Públicas a autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua proposta orçamentária, por força da Constituição. O repasse de recursos correspondentes, destinados à Defensoria Pública, ao Judiciário, ao Legislativo e ao Ministério Público, sob a forma de duodécimos, é imposição constitucional. O repasse de duodécimos destinados ao Poder Público, quando retidos pelo governo, constitui prática indevida de flagrante violação aos preceitos fundamentais da Constituição. Ademais, o princípio da subsidiariedade, ínsito ao cabimento da arguição, é atendido diante da inexistência, para a autora, de outro instrumento igualmente eficaz ao atendimento célere da tutela constitucional pretendida. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava o pedido improcedente.
ADI 5286/AP, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADI-5286)
ADI 5287/PB, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADI-5287)
ADPF 339/PI, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADPF-339)
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O Plenário iniciou julgamento de referendo em medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental na qual se discute eventual afronta às regras dos artigos 134, § 2º, e 168 da CF pela retenção do repasse de duodécimo referente à dotação orçamentária de Defensoria Pública estadual (“Art. 134 ... § 2º. Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º” e “Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”). Na espécie, chefe de Poder Executivo estadual omitira-se em realizar o repasse da dotação orçamentária da Defensoria Pública estadual na forma de duodécimos até o dia vinte do mês correspondente. O Ministro Edson Fachin (relator) referendou a medida cautelar por ele concedida monocraticamente e julgou prejudicado o agravo regimental interposto. Considerou haver, no caso concreto, inadimplemento do dever imposto pela Constituição ao Poder Executivo estadual. Apontou haver abuso no exercício de competência financeira, por parte daquele que detém posição de primazia na execução orçamentária. Destacou que a retenção injusta de duodécimos referentes à dotação orçamentária representaria óbice ao pleno exercício de função inerente à Defensoria Pública estadual. Dessa forma, estaria em risco o direito de acesso à Justiça e o dever estatal de prestação de assistência jurídica integral e gratuita a todos que dela necessitarem. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
ADPF 384 Referendo-MC/MG, rel. Min. Edson Fachin, 18.5.2016. (ADPF-384)
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Por fixar os limites do orçamento anual da Defensoria Pública estadual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada pelo governador à assembleia legislativa deve contar com a participação prévia daquela instituição pública. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, referendou a concessão de medida liminar para suspender a eficácia do art. 7º, § 2º, da Lei 18.532/2015 do Estado do Paraná [“Art. 7º. ... § 2° A Defensoria Pública do Paraná, compreendendo seus Órgãos, Fundos e Entidades, terá como limite para elaboração de sua proposta orçamentária de 2016 e fixação de despesas com Recursos Ordinários do Tesouro Estadual o montante de até R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais)]”. Na espécie, embora a Defensoria Pública tenha tido um corte drástico em seu orçamento em relação ao ano anterior, a questão debatida é a ausência daquela instituição no processo de formulação da proposta de lei orçamentária. O Ministro Roberto Barroso (relator) ressaltou que, quando a ação fora protocolada, o Poder Legislativo estava em vias de votar a própria lei orçamentária. Em razão disso, a liminar fora concedida para que a Defensoria Pública apresentasse sua proposta diretamente à assembleia legislativa. O Plenário, ao referendar a medida liminar, assentou a necessidade de participação da Defensoria Pública. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que não referendava a medida cautelar. Assentava a situação de penúria em que se encontram os Estados-Membros. Apontava que, regra geral, os poderes da República deteriam autonomia administrativa e financeira, exceção aberta pela Constituição quanto ao Ministério Público.
ADI 5381 Referendo-MC/PR, rel. Min. Roberto Barroso, 18.5.2016. (ADI-5381)
ADPF: associação e legitimidade ativa
As associações que representam fração de categoria profissional não são legitimadas para instaurar controle concentrado de constitucionalidade de norma que extrapole o universo de seus representados. Com base nessa orientação, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, desproveu agravo regimental em arguição de descumprimento de preceito fundamental, na qual se discutia a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages). Na espécie, a referida associação questionava dispositivo da LC 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional). A Corte assentou a ilegitimidade ativa da mencionada associação. Manteve o entendimento firmado na decisão agravada de que, se o ato normativo impugnado repercute sobre a esfera jurídica de toda uma classe, não seria legítimo permitir-se que associação representativa de apenas uma parte dos membros dessa mesma classe impugnasse a norma, pela via abstrata da ação direta. O Ministro Barroso acompanhou a conclusão do relator, porém, com fundamentação diversa. Assentou que as associações que representam fração de categoria profissional seriam legitimadas apenas para impugnar as normas que afetassem exclusivamente seus representados. Dessa forma, a sub-representação de grupos fracionários de categorias profissionais estaria evitada, ao mesmo tempo em que se respeitaria a restrição constitucional de legitimação ativa. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Apontava não ser possível o monopólio da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) quanto à legitimidade para o processo objetivo de controle de constitucionalidade.
ADPF 254 AgR/DF, rel. Min. Luiz Fux, 18.5.2016. (ADPF-254)
Distribuição de medicamento e necessidade de registro sanitário - 1
O Plenário, por decisão majoritária, deferiu medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016, que autoriza o uso do medicamento fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, a despeito da inexistência de estudos conclusivos no tocante aos efeitos colaterais em seres humanos, bem assim de ausência de registro sanitário da substância perante o órgão competente. O Colegiado entendeu que, ao suspender a exigibilidade de registro sanitário do medicamento, a lei impugnada discrepa da Constituição (art. 196) no tocante ao dever estatal de reduzir o risco de doença e outros agravos à saúde dos cidadãos. O STF, em atendimento ao preceito constitucional, tem proferido decisões a garantir o acesso a medicamentos e tratamentos médicos, cabendo aos entes federados, em responsabilidade solidária, fornecê-los. O caso, entretanto, não se amolda a esses parâmetros. Sucede que, ao dever de fornecer medicamento à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do Poder Público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias. Isso porque a busca pela cura de enfermidades não pode se desvincular do correspondente cuidado com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico. Na elaboração do ato impugnado, fora permitida a distribuição do remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária. Entretanto, a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais (Lei 6.360/1976, art. 12). O registro é condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto, sem o qual a inadequação é presumida. A lei em debate é casuística ao dispensar o registro do medicamento como requisito para sua comercialização, e esvazia, por via transversa, o conteúdo do direito fundamental à saúde.
ADI 5501 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 19.5.2016. (ADI-5501)
Distribuição de medicamento e necessidade de registro sanitário - 2
O Tribunal vislumbrou, na publicação do diploma impugnado, ofensa à separação de Poderes. Ocorre que incumbe ao Estado, de modo geral, o dever de zelar pela saúde da população. Entretanto, fora criado órgão técnico, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde (Anvisa), à qual incumbe o dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados. A atividade fiscalizatória (CF, art. 174) é realizada mediante atos administrativos concretos devidamente precedidos de estudos técnicos. Não cabe ao Congresso, portanto, viabilizar, por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento. Assim, é temerária a liberação da substância em discussão sem os estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade do medicamento para o bem-estar do organismo humano. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que concediam a medida liminar para dar interpretação conforme à Constituição ao preceito impugnado. Reputavam que o uso do medicamento, nos termos da lei, deveria ser autorizado a pacientes em estágio terminal.
ADI 5501 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 19.5.2016. (ADI-5501)
Conflito de atribuições e superfaturamento em construção de conjuntos habitacionais - 2
Compete ao PGR, na condição de órgão nacional do Ministério Público, dirimir conflitos de atribuições entre membros do MPF e de Ministérios Públicos estaduais. Com base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, não conheceu de conflito de atribuições suscitado pelo Ministério Público do Estado do Paraná em face do MPF, na hipótese em que investigado superfaturamento na construção de conjuntos habitacionais em município paranaense — v. Informativo 707. Na espécie, os valores para o financiamento das obras teriam sido disponibilizados pela Caixa Econômica Federal (CEF), oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e colocadas no mercado de consumo por meio do Sistema Financeiro de Habitação. A Corte afirmou que o PGR exerceria a posição de chefe nacional do Ministério Público. Essa instituição — apesar da irradiação de suas atribuições sobre distintos órgãos — seria una, nacional e, de essência, indivisível. Quando a disciplina prevista nos parágrafos 1º e 3º do art. 128 da CF distribui a chefia dos respectivos ramos do Ministério Público — da União e dos Estados, respectivamente — outra coisa não seria pretendida senão a ordenação administrativa, organizacional e financeira de cada um dos órgãos, o que reafirmaria a ausência de hierarquia entre os órgãos federais e estaduais do Ministério Público nacional. Contudo, assentada a obrigação constitucional de o PGR dirimir conflitos de atribuições, não se relevaria, com isso, sua atuação como chefe do MPU, mas sim a identificação do PGR como órgão nacional do “parquet”. Com efeito, em diversas passagens da Constituição seria observada, de modo decisivo, a atribuição de poderes e deveres ao PGR, os quais, especialmente por suas abrangências, não se confundiriam com as atribuições dessa autoridade como chefe do MPU. Nesse sentido, entre outras hipóteses, o art. 103, VI, da CF, fixa a competência do PGR para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF; o art. 103, § 1º, da CF, determina que o PGR seja previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência daquela Corte; o art. 103-B da CF atribui ao PGR a escolha do membro do Ministério Público estadual que integra o CNJ, dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual. O órgão nacional, portanto, encontrar-se-ia em posição conglobante dos Ministérios Públicos da União e dos Estados-Membros. Por outro lado, as competências do STF e do STJ deteriam caráter taxativo, e em nenhuma delas estaria previsto dirimir os conflitos de atribuições em questão. Por fim, não se extrairia dessa situação conflito federativo apto a atrair a competência do STF. O Ministro Roberto Barroso reajustou seu voto. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que conhecia do conflito e estabelecia a atribuição do MPF para proceder à investigação aventada.
ACO 924/PR, rel. Min. Luiz Fux, 19.5.2016. (ACO-924)
Conflito de atribuições e Fundef - 4
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, não conheceu de conflito de atribuições suscitado pelo MPF em face do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte relativamente à investigação de supostas irregularidades concernentes à gestão de recursos oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) — v. Informativos 604, 699 e 752. No caso, fora instaurado inquérito civil, a pedido do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundef, pelo “parquet” estadual da Comarca de João Câmara/RN, visando apurar a existência de irregularidades no Município de Bento Fernandes/RN no tocante às ordens de despesas à conta do Fundef. A Corte reiterou a fundamentação expendida no julgamento da ACO 924/PR (acima noticiada). Reajustou seu voto o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente). Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que conhecia do conflito e estabelecia a atribuição do MPF para proceder à investigação aventada.
ACO 1394/RN, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 19.5.2016. (ACO-1394)
Conflito de atribuições e Fundef - 4
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, não conheceu de conflitos de atribuições suscitados pelo MPF em face do Ministério Público do Estado de São Paulo (Pet 4706/DF) e do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (Pet 4863/RN) relativamente a investigação de supostas irregularidades concernentes à gestão de recursos oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério (Fundef) — v. Informativos 626 e 699. A Corte reiterou a fundamentação expendida no julgamento da ACO 924/PR (acima noticiada). Reajustaram os votos os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski (Presidente) e Luiz Fux. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Ayres Britto e Joaquim Barbosa, que conheciam dos conflitos e estabeleciam a atribuição do MPF para proceder à investigação aventada.
Pet 4706/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 19.5.2016. (Pet-4706)
Pet 4863/RN, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 19.5.2016. (Pet-4863)
PRIMEIRA TURMA
“Habeas corpus” e desclassificação
É incabível a utilização de “habeas corpus” impetrado com a finalidade de obter a desclassificação de homicídio com dolo eventual (CP, art. 121, c/c art. 18, I) para homicídio culposo na direção de veículo automotor (CTB, art. 302, § 2º), na hipótese em que discutida a existência de dolo eventual ou culpa consciente na conduta do motorista que se apresente em estado de embriaguez. Essa a orientação da Primeira Turma, que não conheceu de “habeas corpus” impetrado em face de acórdão do STJ, porquanto inviável a interposição de “habeas corpus” com caráter substitutivo de recurso extraordinário. Destacou que a cognição do referido remédio constitucional, em matéria de verificação probatória, seria relativamente estreita. Além disso, reiterou o que decidido do RHC 116.950/ES (DJe de 14.2.2014) no sentido de que seria “admissível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a depender das circunstâncias concretas da conduta. Mesmo em crimes de trânsito, definir se os fatos, as provas e as circunstâncias do caso autorizam a condenação do paciente por homicídio doloso ou se, em realidade, trata-se de hipótese de homicídio culposo ou mesmo de inocorrência de crime é questão que cabe ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri”. Vencidos os Ministros Luiz Fux (relator) e Marco Aurélio, que, ao invocar precedente firmado quando do julgamento do HC 107.801/SP (DJe de 13.10.2011), conheciam do “habeas corpus” e deferiam a ordem.
HC 131029/RJ, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 17.5.2016. (HC-131029)
Empréstimos consignados e retenção por prefeito - 1
A Primeira Turma, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação penal para condenar acusado da prática dos crimes de peculato-desvio e assunção de obrigação no último ano do mandato (CP, artigos 312 e 359-C) à pena de dois anos, oito meses e vinte dias de reclusão, em regime inicial aberto, além da pena pecuniária de doze dias multa. Na espécie, o acusado teria desviado numerário referente a retenções feitas administrativamente nas remunerações de servidores públicos municipais que contraíram empréstimos consignados junto a determinada instituição financeira. Além disso, em razão da não transferência do referido numerário ao banco, o acusado autorizara a assunção de obrigação para com a referida instituição no montante de R$ 8.385.486,73 no último ano do seu mandato. A defesa sustentava: a) a violação do princípio do promotor natural; b) a inexistência de fato típico; c) a impossibilidade de responsabilização objetiva do acusado; d) a configuração de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa; e) o caráter privado dos valores correspondentes dos créditos consignados, o que não ensejaria a configuração do crime de peculato; e f) a ausência de prova quanto ao crime de assunção de obrigação no último ano do mandato. Preliminarmente, a Turma rejeitou a alegação de violação ao princípio do promotor natural, reiterado o quanto decidido no HC 90.277/DF (DJe de 1º.8.2008) no sentido da inexistência do citado princípio no ordenamento jurídico brasileiro. No mérito, o Colegiado, relativamente à imputação do crime de peculato-desvio, assentou a materialidade do delito. A consumação desse crime ocorreria no momento que houvesse a efetiva destinação diversa do dinheiro ou valor de que tivesse posse o agente, independente da obtenção material de proveito próprio ou alheio. Assim, a consumação, no caso em comento, teria se dado com a não transferência dos valores retidos na fonte dos servidores municipais ao banco detentor do crédito, referentes a empréstimos consignados em folha de pagamento. Com isso, teria havido a alteração do destino da aplicação dos referidos valores. O município seria mero depositário das contribuições descontadas dos contracheques de seus servidores, as quais pertenceriam ao banco. Desse modo, os valores retidos não seriam do Município, não configurando receita pública. Tratar-se-ia de verba particular não integrante do patrimônio público.
AP 916/AP, rel. Min. Roberto Barroso, 17.5.2016. (AP-916)
Empréstimos consignados e retenção por prefeito - 2
Relativamente à autoria do delito, além do dolo na conduta verificada, a Turma consignou que o acusado, na qualidade de prefeito, teria deixado de repassar os valores retidos dos salários dos servidores municipais à instituição financeira, descumprindo os termos do convênio firmado entre esta última e o município. O réu, em seu interrogatório, teria afirmado que o não repasse dos valores ao banco se dera em função da necessidade de pagamento de funcionários do município, que se encontraria em momento de crise, e que, posteriormente, com o repasse de ICMS pelo governo estadual, faria a compensação das consignações. Assim, teria ficado provada a intenção, o dolo, de não repassar os valores para a instituição financeira, descumprindo, também, a legislação referente a operações de crédito com desconto em folha de pagamento (Lei 10.820/2003). Portanto, a partir do momento em que o acusado, consciente e voluntariamente, se apropria de verbas que detém em razão do cargo que ocupa e as desvia para finalidade distinta, pagando os salários dos servidores municipais, não haveria dúvidas quanto à pratica do delito de peculato-desvio.
AP 916/AP, rel. Min. Roberto Barroso, 17.5.2016. (AP-916)
Empréstimos consignados e retenção por prefeito - 3
A Turma ressaltou a existência de depoimentos constantes dos autos a apontar que o município em questão estaria passando por dificuldades em razão da crise mundial, além de ter sido prejudicado no repasse proveniente do Fundo de Participação dos Municípios. Assim, segundo alegado pela defesa, o acusado não teria outra solução que não a de reter as verbas destinadas para o pagamento de seus servidores, as quais possuiriam natureza alimentar. No entanto, também constaria dos autos informação relativa ao aumento da folha de pagamento do município, com a contratação de pessoal, e à efetivação de repasses voluntários para instituições não governamentais. A existência desses fatos tornaria inviável o reconhecimento de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa a afastar o juízo de reprovação penal. Outrossim, também estaria comprovada nos autos a materialidade e a autoria do crime de assunção de obrigação no último ano de mandato. A conduta em comento estaria intimamente ligada ao crime de peculato-desvio, já que no último ano não fora repassado ao banco beneficiário os valores retidos dos servidores municipais e, consequentemente, fora deixada para a administração posterior o encargo de quitar esses débitos. Vencidos, em parte, os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que vislumbravam a existência, na hipótese em comento, unicamente do delito previsto no art. 359-C do CP.
AP 916/AP, rel. Min. Roberto Barroso, 17.5.2016. (AP-916)
SEGUNDA TURMA
Crime de desobediência eleitoral e não enquadramento
Não comete crime de desobediência eleitoral o candidato que, proibido de ingressar em órgãos públicos com o intuito de realizar atos inerentes à campanha eleitoral, adentra prédios da Administração Pública para filmar e fotografar. Com base nessa orientação, a Segunda Turma julgou improcedente a acusação contra o denunciado, nos termos do art. 6º da Lei 8.038/1990, c/c o art. 386, III, do CPP (Lei 8.038/1990: “Art. 6º - A seguir, o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas” e CPP: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: ... III - não constituir o fato infração penal”). Na espécie, magistrado eleitoral determinara que os integrantes da coligação a que pertencia o denunciado não entrassem nos prédios onde funcionavam as repartições públicas municipais, com o intuito de realizar atos inerentes à campanha eleitoral, sob pena de responderem por crime de desobediência (Código Eleitoral, art. 347). Conforme depoimentos de testemunhas, o representante da coligação fora notificado dessa ordem judicial e a comunicara ao denunciado. Este, em seu interrogatório, sustentara ter conhecimento de denúncia de que o prefeito, adversário político da coligação, cooptava servidores da prefeitura para que participassem de seus comícios nos horários de expediente. Com a finalidade de checar essas informações, deslocara-se às repartições públicas para filmar e fotografar os servidores que estivessem a trabalhar. Após a diplomação do denunciado como deputado federal, a competência fora declinada ao STF. A Turma apontou que, ainda que o evento pudesse ter causado transtorno às atividades públicas, não se narrara pedido de voto ou outra manifestação que pudesse ser enquadrada como ato de campanha eleitoral. Destacou que a conduta em questão fora um ato de fiscalização da Administração Pública, ainda que praticado em persecução aos interesses eleitorais do grupo ao qual o denunciado era vinculado.
Inq 3909/SE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.5.2016. (Inq-3909)
Uso de munição como pingente e atipicidade
É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição desacompanhada de arma. Com base nessa orientação, a Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” para restabelecer a decisão de tribunal local que absolvera o paciente. Na espécie, o paciente portava — como pingente — munição de uso proibido sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Lei 10.826/20013, art. 16, “caput”). Condenado em primeira instância à pena de três anos de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos, fora absolvido pelo tribunal local. Segundo a Corte estadual, a conduta imputada ao sentenciado não representava qualquer perigo de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado pelo art. 16, “caput”, da Lei 10.826/2003. A condenação fora restabelecida pelo STJ para afastar a atipicidade da conduta, objeto do presente “habeas”. A Turma apontou que, no caso concreto, o comportamento do paciente não oferecera perigo, abstrato ou concreto.
HC 133984/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 17.5.2016. (HC-133984)
Execução de honorários sucumbenciais e fracionamento
Não é possível fracionar o crédito de honorários advocatícios em litisconsórcio ativo facultativo simples em execução contra a Fazenda Pública por frustrar o regime do precatório. Com base nessa tese, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental em recurso extraordinário no qual se sustentava tal possibilidade ao argumento de inexistência de ofensa ao art. 100, §§4º e 8º da CF e ao art. 87, I, do ADCT. O Colegiado afirmou que, na situação dos autos, a parte recorrente pretendia promover a execução dos honorários advocatícios, não apenas de forma autônoma do débito principal, mas também de forma fracionada, levando-se em conta o número de litisconsortes ativos. No entanto, como a verba honorária pertence a um mesmo titular, seu pagamento de forma fracionada, por requisição de pequeno valor (RPV), encontra óbice no art. 100, § 8º, da CF. Em acréscimo, o Ministro Teori Zavascki aduziu que a existência de litisconsórcio facultativo não pode ser utilizada para justificar a legitimidade do fracionamento da execução dos honorários advocatícios sucumbencias se a condenação à verba honorária no título executivo for global, ou seja, se buscar remunerar o trabalho em conjunto prestado aos litisconsortes. Assim, não caberia confundir o valor do crédito da verba honorária com o modo adotado para sua aferição. O fato de o “valor da condenação”, referido pelo título executivo judicial, abranger, na realidade, diversos créditos, de titularidade de diferentes litisconsortes, não tem o condão de transformar a verba honorária em múltiplos créditos devidos a um mesmo advogado, de modo a justificar sua execução de forma fracionada. Nesse sentido, ressaltou que os honorários advocatícios gozam de autonomia em relação ao crédito principal, e com ele não se confunde.
RE 949383 AgR/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 17.5.2016. (RE-949383)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
18.5.2016 |
19.5.2016 |
12 |
1ª Turma |
17.5.2016 |
— |
59 |
2ª Turma |
17.5.2016 |
— |
102 |
R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJe de 16 a 20 de maio de 2016
REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 957.650-AM
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SUPERINTENDÊNCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMA). COBRANÇA DA TAXA DE SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS, INSTITUÍDA PELO ART. 1º DA LEI 9.960/00. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. É inconstitucional o art. 1º da Lei 9.960/00, que instituiu a Taxa de Serviços Administrativos (TSA), por não definir de forma específica o fato gerador da exação.
2. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria.
Decisões Publicadas: 1
16 a 20 de maio de 2016
HC N. 126.292-SP
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE.
1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal.
2. Habeas corpus denegado.
*noticiado no Informativo 814
AG. REG. NO HC N. 133.855-RJ
RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DO STJ. INVIABILIDADE. CABIMENTO DE AGRAVO INTERNO. INTERPOSIÇÃO INDISPENSÁVEL PARA ATENDER AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E PARA EXAURIR A INSTÂNCIA RECORRIDA, PRESSUPOSTO PARA INAUGURAR A COMPETÊNCIA DO STF.
1. O habeas corpus ataca diretamente decisão monocrática de Ministro do STJ. Em casos tais, o exaurimento da jurisdição e o atendimento ao princípio da colegialidade, pelo tribunal prolator, se dá justamente mediante o recurso de agravo interno, previsto em lei, que não pode simplesmente ser substituído por outra ação de habeas corpus, de competência de outro tribunal.
2. A se admitir essa possibilidade estar-se-á atribuindo ao impetrante a faculdade de eleger, segundo conveniências próprias, qual tribunal irá exercer o juízo de revisão da decisão monocrática: se o STJ, juízo natural indicado pelo art. 39 da Lei 8.038/1990, ou o STF, por via de habeas corpus substitutivo. O recurso interno para o órgão colegiado é medida indispensável não só para dar adequada atenção ao princípio do juiz natural, como para exaurir a instância recorrida, pressuposto para inaugurar a competência do STF.
3. Ademais, o conhecimento do pedido implicaria dupla supressão de instância, pois ensejaria a deliberação de matéria que sequer foi objeto de apreciação definitiva pelo Tribunal estadual.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
RHC N. 131.735-DF
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEGUNDA REGIÃO PARA O JULGAMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO E HABEAS CORPUS: IMPROCEDÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. Nos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal, não se preceitua ilegalidade em razão de ter exercido a função de Corregedor Regional da Justiça Federal da Segunda Região em processo administrativo instaurado em desfavor do Recorrente e a jurisdição no julgamento das referidas medidas judiciais.
2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal assentou a impossibilidade de criação pela interpretação de causas de impedimento e suspeição. Precedentes.
3. Recurso ordinário a qual se nega provimento.
SEGUNDO AG. REG. NO AI 763.854-RS
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Ementa: Agravo regimental no agravo de instrumento. Direito Administrativo. Improbidade. Pagamento de “propina” à serventuário da Justiça. Artigo 93, inciso IX. Violação. Não ocorrência. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Precedentes.
1. Não procede a alegada violação do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, haja vista que a jurisdição foi prestada, no caso, mediante decisões suficientemente motivadas, não obstante contrárias à pretensão da parte recorrente.
2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos e a análise da legislação infraconstitucional. Incidência das Súmulas nºs 279 e 636/STF.
3. Agravo regimental não provido.
Acórdãos Publicados: 406
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Réu Preso - Devido Processo Legal - Inquirição de Testemunhas - Direito de Presença e Audiência - Inobservância - Nulidade Absoluta (Transcrições)
HC 130328/SC*
RELATOR: Ministro Celso de Mello
VOTO VENCIDO DO MINISTRO CELSO DE MELLO
Peço vênia, Senhor Presidente, para, conhecendo deste pedido, deferi-lo nos exatos termos postulados pela Defensoria Pública da União.
Ao assim decidir, tenho em consideração precedente do Supremo Tribunal Federal em que esta Corte reafirmou antiga orientação jurisprudencial no sentido de que assiste, ao réu (notadamente àquele que se encontrar preso), o direito de comparecer, mediante requisição do Poder Judiciário (na hipótese de estar sujeito à custódia do Estado), à audiência de instrução processual em que serão inquiridas testemunhas em geral, especialmente aquelas arroladas pelo Ministério Público, sob pena de nulidade absoluta.
Esse precedente, julgado em 2006, acha-se consubstanciado em acórdão assim ementado:
“‘HABEAS CORPUS’ – INSTRUÇÃO PROCESSUAL – RÉU PRESO – PRETENDIDO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA PENAL – PLEITO RECUSADO – REQUISIÇÃO JUDICIAL NEGADA SOB FUNDAMENTO DA PERICULOSIDADE DO ACUSADO – INADMISSIBILIDADE – A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA: UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DA CLÁUSULA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’ – CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA (DIREITO DE AUDIÊNCIA E DIREITO DE PRESENÇA) – PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS/ONU (ARTIGO 14, N. 3, ‘D’) E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS/OEA (ARTIGO 8º, § 2º, ‘D’ E ‘F’) – DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR, AO RÉU PRESO, O EXERCÍCIO DESSA PRERROGATIVA ESSENCIAL, ESPECIALMENTE A DE COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, AINDA MAIS QUANDO ARROLADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – RAZÕES DE CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA OU GOVERNAMENTAL NÃO PODEM LEGITIMAR O DESRESPEITO NEM COMPROMETER A EFICÁCIA E A OBSERVÂNCIA DESSA FRANQUIA CONSTITUCIONAL – NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA – AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF – ‘HABEAS CORPUS’ CONCEDIDO DE OFÍCIO.
– O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência.
– O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do ‘due process of law’ e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU (Artigo 14, n. 3, ‘d’) e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (Artigo 8º, § 2º, ‘d’ e ‘f’).
– Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados. Precedentes.”
(HC 86.634/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Vale relembrar, Senhores Ministros, que essa posição jurisprudencial veio a ser reafirmada em 2009, quando do julgamento, por esta Corte Suprema, de processo em que suscitada controvérsia idêntica à que ora se examina nestes autos, restando assim ementado, no ponto que concerne à presente discussão, o acórdão deste Tribunal:
“‘HABEAS CORPUS’ – INSTRUÇÃO PROCESSUAL – RÉU PRESO – PRETENDIDO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA PENAL EM QUE INQUIRIDAS TESTEMUNHAS DA ACUSAÇÃO – RÉU REQUISITADO, MAS NÃO APRESENTADO AO JUÍZO DEPRECADO – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO – A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA: UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DA CLÁUSULA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’ – CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA (DIREITO DE AUDIÊNCIA E DIREITO DE PRESENÇA) – PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS/ONU (ARTIGO 14, N. 3, ‘D’) E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS/OEA (ARTIGO 8º, § 2º, ‘D’ E ‘F’) – DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR, AO RÉU PRESO, O EXERCÍCIO DESSA PRERROGATIVA ESSENCIAL, ESPECIALMENTE A DE COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, AINDA MAIS QUANDO ARROLADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – RAZÕES DE CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA OU GOVERNAMENTAL NÃO PODEM LEGITIMAR O DESRESPEITO NEM COMPROMETER A EFICÁCIA E A OBSERVÂNCIA DESSA FRANQUIA CONSTITUCIONAL – NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA – PEDIDO DEFERIDO.”
(HC 93.503/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Tenho sustentado, nesta Suprema Corte, Senhores Ministros, com apoio em autorizado magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. 3/136, 10ª ed., 1987, Saraiva; FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal – O Direito de Defesa”, p. 240, 1986, Forense; JAQUES DE CAMARGO PENTEADO, “Acusação, Defesa e Julgamento”, p. 261/262, item n. 17, e p. 276, item n. 18.3, 2001, Millennium; ADA PELLEGRINI GRINOVER, “Novas Tendências do Direito Processual”, p. 10, item n. 7, 1990, Forense Universitária; ANTONIO SCARANCE FERNANDES, “Processo Penal Constitucional”, p. 280/281, item n. 26.10, 3ª ed., 2003, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 189, item n. 7.2, 2ª ed., 2004, RT; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à Prova no Processo Penal”, p. 154/155, item n. 9, 1997, RT; VICENTE GRECO FILHO, “Tutela Constitucional das Liberdades”, p. 110, item n. 5, 1989, Saraiva; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Direito Processual Penal”, vol. 1/431-432, item n. 3, 1974, Coimbra Editora, v.g.), que o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório, sendo irrelevantes, para esse efeito, “(...) as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País”, eis que “(...) alegações de mera conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição” (RTJ 142/477-478, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Esse entendimento tem por suporte o reconhecimento – fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) – de que o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu.
Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ (“Garantias Processuais nos Recursos Criminais”, p. 132/133, item n. 5.1, 2002, Atlas):
“A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (...).
Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (...).
Na verdade, desdobra-se a autodefesa em ‘direito de audiência’ e em ‘direito de presença’, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (...), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum.” (grifei)
Incensurável, por isso mesmo, sob tal perspectiva, o julgamento desta Suprema Corte, de que foi Relator o eminente Ministro LEITÃO DE ABREU, consubstanciado em acórdão que está assim ementado (RTJ 79/110):
“Habeas Corpus. Nulidade processual. O direito de estar presente à instrução criminal, conferido ao réu, assenta na cláusula constitucional que garante ao acusado ampla defesa. A violação desse direito importa nulidade absoluta, e não simplesmente relativa, do processo.
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Nulidade do processo a partir dessa audiência.
Pedido deferido.” (grifei)
Cumpre destacar, nesse mesmo sentido, inúmeras outras decisões emanadas deste Supremo Tribunal Federal que consagraram esse entendimento (RTJ 64/332 – RTJ 66/72 – RTJ 70/69 – RTJ 80/37 – RTJ 80/703), cabendo registrar, por relevante, julgamento em que esta Suprema Corte reconheceu essencial a presença do réu preso na audiência de inquirição de testemunhas arroladas pelo órgão da acusação estatal, sob pena de ofensa à garantia constitucional da plenitude de defesa:
“‘Habeas corpus’. Nulidade processual. O direito de estar presente à instrução criminal, conferido ao réu e seu defensor, assenta no princípio do contraditório. Ao lado da defesa técnica, confiada a profissional habilitado, existe a denominada autodefesa, através da presença do acusado aos atos processuais. (...).”
(RTJ 46/653, Rel. Min. DJACI FALCÃO – grifei)
Essa percepção do tema em exame – que reconhece a ocorrência de nulidade absoluta na preterição de formalidade tão essencial ao exercício do direito de defesa – reflete-se, por igual, no magistério jurisprudencial de outros Tribunais (RT 522/369 – RT 537/337 – RT 562/346 – RT 568/287 – RT 569/309 – RT 718/415):
“O direito conferido ao réu de estar presente à instrução criminal assenta-se na cláusula constitucional que garante ao acusado ampla defesa. A violação desse direito importa nulidade absoluta, e não apenas relativa, do processo.”
(RT 607/306, Rel. Des. BAPTISTA GARCIA – grifei)
Não constitui demasia assinalar, neste ponto, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito de presença do réu na audiência de instrução penal, especialmente quando preso, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa (mais especificamente da prerrogativa de autodefesa), também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados.
A justa preocupação da comunidade internacional com a preservação da integridade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas meramente acusadas de práticas delituosas tem representado, em tema de proteção aos direitos humanos, um dos tópicos mais sensíveis e delicados da agenda dos organismos internacionais, seja em âmbito regional, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 8º, § 2º, “d” e “f”), aplicável ao sistema interamericano, seja em âmbito universal, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, n. 3, “d”), celebrado sob a égide da Organização das Nações Unidas, e que representam instrumentos que reconhecem, a qualquer réu, dentre outras prerrogativas eminentes, o direito de comparecer e de estar presente à instrução processual, independentemente de achar-se sujeito, ou não, à custódia do Estado.
Mais recentemente, esta colenda Turma, ao julgar e deferir o “writ” constitucional em caso virtualmente idêntico ao ora em exame, proferiu decisão que, consubstanciada em acórdão assim ementado, analisou, com extrema precisão, a controvérsia em causa:
“’HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO. AUDIÊNCIA DE OITIVA DA VÍTIMA E TESTEMUNHAS DA ACUSAÇÃO SEM A PRESENÇA DOS RÉUS PRESOS EM OUTRA COMARCA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. OCORRÊNCIA.
1. A ausência dos réus presos em outra comarca à audiência para oitiva de vítima e testemunhas da acusação constitui nulidade absoluta, independentemente da aquiescência do Defensor e da matéria não ter sido tratada em alegações finais.
2. Ordem concedida.”
(HC 111.728/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)
A reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo, em favor de qualquer réu, independentemente do caráter hediondo do delito a ele imputado, o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, especialmente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, confere efetiva proteção a uma prerrogativa fundamental que a Constituição da República assegura às pessoas em geral.
Em suma: tenho para mim que a magnitude do tema constitucional versado na presente impetração impõe que se conceda a presente ordem de “habeas corpus”, para impedir que se desrespeite uma garantia fundamental instituída pela Constituição da República em favor de qualquer réu.
Nesse sentido, Senhores Ministros, é o meu voto.
*acordão publicado no DJe de 16.5.2016
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 826 do STF - 2016 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2016, 16:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/49118/informativo-826-do-stf-2016. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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